Tashi deixou um recado: queria me ver. Fui a seu encontro tentando adivinhar o que ele iria me dizer. Eu já sabia que, por estarmos na temporada alta de turismo, todos os jipes existentes em Lhasa estavam reservados por várias semanas. Seria muito difícil conseguir um carro.
Nos sentamos em um simpático jardim de um hotel de viajantes, decorado com várias bandeiras de prece; ele pediu o chá local, eu apenas água. Tashi começou confirmando o que eu já sabia: que, se eu viajasse através de uma agência de turismo, sairia muito caro. Sozinho, pior ainda. “Você teria que pagar o aluguel do jipe e as diárias do motorista e do guia”, disse.
“Mas encontrei uma solução: conheço um excelente guia que trabalhou comigo e que também é bom motorista”, disse. Respondi que ele tinha razão, mas que isso resolveria apenas metade da equação. O que fazer para o transporte? Ele explicou o que eu já sabia: todos os jipes estavam alugados. “Por isso, tenho uma saída: Goba, o guia, viajaria com você no meu próprio carro. Posso ficar três dias sem transporte aqui em Lhasa.”
Demorei a entender o que Tashi me dizia. Para evitar qualquer mal-entendido, pedi que ele me explicasse quais seriam meus custos durante a viagem. Ele foi direto: “Além da comida e do pernoite, você apenas cobre a gasolina e dá 20 dólares por dia ao Goba”. Custei a acreditar na proposta - graças a Tashi o périplo de três dias fora de Lhasa sairia por um custo mínimo. Era um presente que caíra dos céus!
Passamos a estudar o itinerário. Concluímos que não haveria tempo para visitar Samye e que eu me deveria me concentrar em Shigatse e Gyantse. Marcamos a saída para o dia seguinte às 13 h. “E a autorização para sair de Lhasa?” perguntei. “Não se preocupe, tenho um amigo que vai resolver isso hoje mesmo.” Mas que bela surpresa, Omega Megog!
Saí, com um sorriso nos lábios, em direção ao monastério Sera, situado a apenas 3 km do centro. Fui novamente de ônibus, dessa vez o 502. Cheguei e perambulei pelas ruelas, como havia feito em Drepung no dia anterior. Mas havia algo a mais: eu estava muito feliz, de verdade, com a idéia de viajar no dia seguinte. Estava agradecido mesmo!
Continuei a subir pelas ruelas e quando me dei conta já estava caminhando no “kora”, o circuito da peregrinação que rodeia o monastério. Todos os templos e centros sagrados tibetanos possuem um “kora”, o qual deve ser cumprido pelos devotos sempre em sentido horário. Logo encontrei uma senhora que caminhava com uma roda de orações na sua mão direita, que não parava de dar voltas. Sorridente, ela cantava o mantra “Om Mani Padme Hum”.
Era final da tarde e a temperatura mais amena fazia com que os fiéis de Sera fizessem o roteiro do “kora”. A vista do monastério desde o morro era grandiosa. Percebi, ao fundo, um vale muito fértil, onde abundava trigo e cevada. Como nos Andes, devido ao declive, existiam aqui muitas plantações em terraço.
Quando cheguei na parte mais alta do circuito, descobri imensas pedras que haviam sido pintadas com figuras do panteão budista. O mantra “Om Mani Padme Hum” estava escrito em diversas cores e formas. A luz do sol iluminava os peregrinos que passavam pelas rochas. Todos beijavam as imagens, demonstrando imenso respeito.
Um dos monges se aproximou e trocamos algumas palavras. Gentilmente, ele me explicou o sentido de algumas das pinturas nas pedras. Aproveitei para perguntar se a palavra “Tashi” - o nome daquele que resolvera meu problema de viagem no Tibete - tinha algum significado especial. De imediato, ele respondeu “Boa Sorte”. Apenas sorri - e decidi que passaria mais tempo no topo daquela encosta, vendo os peregrinos desfilar pelas pinturas…