Depois que coloquei o aviso em alguns pontos em Lhasa, recebi duas mensagens por telefone Uma veio de três alemãs que estavam buscando uma quarta pessoa para completar o carro. Me encontrei com elas no Snowlands Hotel. Elas me explicaram que queriam ir ao EBC, sigla em inglês para o Campo Base do Evereste.
O EBC é hoje um dos principais destinos no Tibete: todos querem ver o pico mais alto do planeta. “Em agosto, época de chuva, você fica dias esperando para ver o Evereste - pode ser muito frustrante”, me havia avisado um dos operadores de turismo. Como as alemães só voltariam no dia que eu deveria tomar o avião de volta, nada feito. Mas foi um bom sinal. Estou chegando mais perto.
Me sinto quase em casa em Lhasa. Reconheço rostos que vi na véspera, troco saudações na rua e muita gente sorri. Mesmo com a massiva presença chinesa - que incomoda todo estrangeiro - existe um astral maravilhoso na cidade. Tem algo de Cuzco. Aliás o tibetano tem muito a ver com o andino, dos traços faciais à mística do quotidiano. Sem contar a altitude: o platô do Tibete está a 4.000 metros, como o altiplano dos Andes.
Tomei o ônibus 301 que passa pela avenida Beijing Leste para visitar o monastério Drepung, situado a 8 km do centro. O cobrador me avisou onde eu deveria descer. Na esquina encontrei uma camioneta aberta. Eu e uma dezena de peregrinos (que estavam no mesmo ônibus) subimos no veículo para completar os dois últimos quilômetros de ladeira.
Construído em 1416, Drepung foi a moradia de três Dalai Lamas - até que o quinto mandou construir o Potala. Esse importante centro de poder espiritual e político tornou-se uma pequena cidade amuralhada. Em 1950, antes da invasão chinesa, mais de dez mil monges viviam aqui. Hoje, os 600 residentes (o número é limitado pelo governo) ainda vivem em habitações construídas há mais de três ou quatro séculos.
Desde o topo de seus prédios, a vista de Drepung é ampla
As edificações - residências, templos ou colégios - foram erguidas de forma contígua, uma ao lado da outra, com apenas uma ruela separando. Mais um vez senti a necessidade de explorar os tetos para conseguir um melhor ângulo de visão. Um monge apareceu numa janelinha. Usando mímica, “disse” a ele que queria subir ao teto. Ele respondeu positivamente e me indicou a entrada.
Subi as escadas estreitas e escuras; ele me esperava no segundo andar. Em um inglês razoável, ele disse seu nome, Bempa, e me convidou para entrar e tomar o tradicional chá. Não podia deixar de aceitar nenhum dos convites.
Bempa passa parte de seu dia lendo textos sagrados
Fiquei surpreso ao ver seus aposentos, bem maiores do que uma simples célula de monge. Logo na entrada, uma cozinha com um forno a carvão e uma salinha onde ele fazia suas refeições. Nos sentamos para tomar o chá na sua “sala de estar”. Um armário cor de laranja estava adornado com desenhos tibetanos e uma das paredes expunha três “tangkas”, pinturas sagradas. Numa mesinha, um velho computador 286 parecia ainda funcionar e muitos livros em tibetano preenchiam os cantos vazios. Um quarto aposento, reservado para suas meditações diárias, trazia uma decoração ainda mais colorida.
A sala da moradia de Bempa com três belas tangkas na parede
Como já estava acostumado com o cheiro da manteiga de iaque, não tive dificuldade em tragar o chá; ofereci o biscoito que levava no bolso. Após conversarmos um pouco sobre o significado das tangkas e sobre a vida no monastério, o monge me levou até o teto para a foto que eu buscava, tudo numa atmosfera amigável e harmoniosa. Gostei de conhecer Bempa. Até pensei em raspar a cabeça, fazer voto de celibato e virar monge em Drepung…
Ao redor do monastério, existem grandes pedras pintadas com imagens de Buda