Katmandu - Chego na capital nepalesa e caio no lugar certo. A proprietária do hotel é Tsering Dolkar, uma empresária tibetana que possui dois hotéis e vários outros negócios bem sucedidos. “Durante essas duas últimas semanas, desde os eventos trágicos em Lhasa, a nossa comunidade em Boudha se reúne quase que diariamente para rezar.”
O centro comunitário está repleto. No grande salão, mais de 700 pessoas sentadas repetem mantras. Fora da casa, outras 700 estão em um pátio. “Todos os tibetanos, em qualquer parte do mundo, têm como objetivo nesses dias rezar 100 milhões de orações em honra a Tara, um divindade feminina relacionada com a paz interior e exterior”, diz Ngawang Sangmo, presidente da Associação de Mulheres Tibetanas no Nepal. Para fugir do Tibete em 1959, ela caminhou 20 dias com seus pais até o Nepal. Ela tinha apenas 10 anos de idade.

Em Boudha, o bairro tibetano mais importante no vale de Katmandu, monges rezam para a paz mundial e interior. Ao fundo, uma pintura do palácio Potala lembra a relação com a terra natal.
“Desde o dia 10 de março - aniversário do revolta tibetana contra os chineses, quando milhares de tibetanos foram massacrados em 1959 - já rezamos 2 milhões de mantras aqui em Katmandu. Mandamos esses números para Dharamsala, sede do governo tibetano em exílio, na Índia.” Quando pergunto a Ngawang se apenas as rezas podem resolver essa situação política complexa, ela responde: “Talvez não possamos ver resultados tangíveis, mas a base do budismo é acumular méritos e buscar a felicidade para todos os seres, incluindo o povo chinês. Rezamos também para que nossos irmãos e irmãs no Tibete sofram menos.”
O som dos mantras é intenso. Dentro do salão, a ala do fundo está repleta de monjas. Algumas mais idosas, além de pronunciar as frases, também fazem girar suas rodas de preces. Dentro delas, existem milhares de orações escritas em papel. Segundo os budistas, cada vez que a roda dá uma volta completa uma prece é executada.

Uma monja movimenta sua roda de preces. Nas últimas duas semanas, a atenção da comunidade tibetana voltou-se completamente para a crise no Tibete.

Monges budistas cantam em frente às lamparinas de óleo. Ao fundo, a bandeira tibetana.
Saio do grande salão e vejo na parede fotocópias das principais matérias de jornais sobre a crise em Lhasa: o número de mortos, o apoio dos EUA, as manifestações em vários países. Os mantras continuam e o número de pessoas aumenta. Tsering Dolkar está sentada em uma mesa, recebendo doações. “Um senhor idoso, muito pobre, disse que queria dar alguma coisa e o único bilhete que ele possuía era de 5 rúpias nepalesas (R$ 0,15). Também recebemos ontem um donativo de 50 mil rúpias (R$ 15.000). Cada um dá o que pode”, afirma Tsering.
Nos últimos dias, algumas fotos dramáticas, mostrando os corpos das vítimas, chegaram em Katmandu. As pessoas ficam arrasadas ao ver as imagens que demonstram a violência utilizada pela polícia chinesa. A conversa recai sobre os sofrimentos de seus parentes na terra natal. “As autoridades chinesas cortaram a água de muitos monastérios. Também não deixam que suprimentos entrem nos mosteiros e já existem casos de desnutrição”, afirma Tashi Phuntsok, membro do comitê coordenador. “Precisamos que o mundo saiba que esse genocídio cultural está acontecendo em pleno século 21″.

Na foto da direita, um jovem monge da região de Ambo Ngapa, no Tibete, ainda não identificado. Na foto da esquerda, Gegam, de 40 anos, também de Ambo Ngapa, foi assassinado com um tiro no peito.