Livro-reportagem sobre o Dalai-Lama

A não perder a leitura de O Caminho Aberto: um dalai-lama na era global, lançamento da Companhia das Letras.

A obra é escrita pelo jornalista Pico Iyer, que cobre a questão tibetana há mais de 20 anos para publicações como a Time e a The New Yorker.

Confira o trecho final, um dos mais bonitos da obra:

“(…) fui visitar o dalai-lama justamente no dia em que ele soube da concessão do prêmio Nobel, em 1989. Na ocasião, ele participava de uma reunião com cientistas em um local ao sul de Los Angeles, e após saber da notícia pelo rádio e ao passar por Santa Barbara, resolvi levar-lhe meus parabéns e algumas perguntas para um entrevista. Quando cheguei à casa onde ele estava hospedado, o dalai-lama me recebeu com a característica hospitalidade e franqueza, como se fosse um dia qualquer (como creio que era), levando-me pela mão a uma sala lateral como se tivesse todo o tempo do mundo, e tendo o cuidado de olhar em torno, automaticamente, em busca de uma cadeira para me acomodar, como se fosse eu o homenageado. Ele me perguntou como deveria usar o dinheiro do prêmio e fitou-me com olhos penetrantes, visivelmente esperando uma resposta. Disse-me que às vezes achava que nunca poderia fazer o suficiente e que nada do que fazia tinha de fato alguma influência sobre os acontecimentos (preocupação presciente e de longo alcance, pois após haverem amainado a excitação e a impressão de possibilidades que o prêmio suscitava, o Tibete se encontrava a apenas dez anos de sua destruição). Disse-me que “somos nós, pobres seres humanos, que temos de fazer o esforço”, dando um passo de cada vez; e novamente, como se invocasse as palavras finais de Buda, falou de “esforço constante, esforço incansável, para perseguir objetivos claros com empenho genuíno”.

Em seguida, quando saíamos da sala, ele voltou para apagar a luz. É uma coisa tão pequena, observou, que quase não faz diferença. No entanto, não custa nada fazê-la, e talvez alguma coisa boa resulte disso, caso um número maior de pessoas se lembre desse gesto simples em um número maior de salas.

Voltei para Los Angeles em meu carro e mandei meu artigo (a um editor que não tinha grande interesse pelas ideias de um monge tibetano e que praticamente desconsiderou o texto). Tratei de cuidar de minha vida, e estive de novo com o dalai-lama alguns meses mais tarde, quando ele foi a Santa Barbara logo depois que minha casa foi destruída por um incêndio e eu perdi tudo o que tinha.

Mais ou menos 6 mil dias após aquela manhã, quando voltou a viajar até o Japão [onde o jornalista agora reside], pensei naquele simples gesto de apagar a luz. Parecia-me que em cada um daqueles 6 mil dias eu havia tido uma revelação, percebera alguma sabedoria, anotara algumas frases que lera ou meditara sobre o significado do universo, a maneira de levar uma vida melhor, a essência da alma, a irrealidade da alma. Tive mais centelhas e lampejos do que poderia ter tido durante os 6 mil anos seguintes. No entanto, agora, nesta bela manhã de outono, não consigo me lembrar de nenhum deles, exceto a tarefa simples e prática de apagar a luz. Nada de iluminação, nada de caridade universal, nem a Regra Áurea, nem a sabedoria dos tempos; apenas algo que eu podia fazer todos os dias.

Voltei para casa após ouvir o dalai-lama naquela ilha ensolarada e saí para caminhar. Fechei a porta ao sair e já ia girando a chave na fechadura quando me lembrei daquele dia distante. Abri de novo a porta e apaguei a luz”.

Iyer, Pico. O Caminho Aberto: um dalai-lama na era global.

 
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