A China deteve, sem acusação, centenas de tibetanos que retornavam ao Tibet após participarem de uma importante cerimônia budista em janeiro na Índia. O relato é de familiares e amigos que vivem no exílio, de grupos humanitários internacionais e de oficiais do governo tibetano em exílio.
Essa é a primeira vez que as autoridades chinesas detiveram um grande número de peregrinos tibetanos na volta da cerimônia, que ocorre anualmente no norte da Índia. O governo chinês foi procurado, mas não se pronunciou.
Muitos são idosos e foram detidos por mais de dois meses no Tibete central — que a China chama a Região Autônoma do Tibete. Os detidos estão sendo interrogados e submetidos a aulas de reeducação patriótica, e foram ordenados a denunciar o Dalai Lama, que presidiu a cerimônia, dizem pessoas que investigaram as detenções. Os peregrinos estão sendo mantidos em hotéis, escolas e centros de treinamento ou bases militares; alguns têm de pagar pelo alojamento e pela comida.
"A última coisa que eu soube sobre os peregrinos é que eles foram detidos e que muitos foram colocados em quartos de hotel", disse Lobsang Sangay, o premier do governo tibetano em exílio.
Segundo a ONG Human Rights Watch, é a primeira vez desde o final da década de 1970 que se sabe da detenção em larga escala, pelos chineses, de pessoas que não são monges para as obrigar a passar por programas de reeducação.
As detenções devem jogar lenha atiçar o ressentimento dos tibetanos com o governo chinês em um momento no qual as tensões no Tibete como um todo estão em seus pontos mais altos em vários anos.
Os peregrinos foram detidos nos postos de fronteira quando retornavam via Nepal oudiretamente a Lhasa, a capital tibetana, por voo. Alguns foram liberados, e vários que foram retidos no Tibete central, mas que são oficialmente moradores de outras regiões foram mandados para elas, disseram os investigadores.
China critica, mas faz vista grossa ao ritual
A cerimônia, chamada de Kalachakra, ocorre todo inverno em Bodh Gaha, no estado indiano de Bihar. Acredita-se que o local seja onde Buda obteve o esclarecimento. Trata-se de um ritual importante de ensino, em que o Dalai Lama dá as lições e para o qual afluem budistas tibetanos e de outros países.
A China não a vê com bons olhos o evento. Em março, no jornal China Daily — uma publicação oficial em inglês do governo chinês — Xiao Jie, pesquisador assistente no Centro de Pesquisa Chinês de Tibetologia escreveu que “não era uma reunião política, e sim um show político estrelado pelo Dalai Lama e sua claque em nome do budismo tibetano.”
Apesar de o governo chinês criticar o Dalai Lama e chamá-lo de um “separatista”, alguns oficiais têm tendido a permitir silenciosamente que alguns tibetanos participem da cerimônia por causa de sua importância religiosa.
Em 2012, os oficiais chineses não deram passaportes para vários monges que queriam ir, mas afrouxaram as restrições em outras áreas — tibetanos da província de Yunnan alegadamente foram autorizados a estar presentes pela primeira vez. Vários tibetanos que vão à cerimônia costumam viajar, com passaportes chineses, via Nepal ou voar diretamente para a Índia, evitando dizer explicitamente o motivo da viagem. O governo em exílio do Tibete estimou que 8 mil tibetanos das áreas tibetanas da China participaram.
Ainda não está claro por que o governo chinês permitiu a viagem apenas para prender os peregrinos na volta. A crise parece ser parte do crescente conflito nas áreas tibetanas que no ano passado foram palco dos protestos mais intensos desde o levante de 2008. Os mais chocantes são as auto-imolações: ao menos 32 pessoas atearam fogo ao próprio corpo para protestar contra o domínio chinês; ao menos 20 morreram. Oficiais chineses disseram que muitos dos que se imolaram portavam distúrbios mentais ou estavam cumprindo orientação do Dalai Lama. Ele negou qualquer envolvimento.