Passei o último fim de semana no Tibete* para presenciar um dos rituais mais interessantes da tradição budista: a preparação de uma mandala de areia. O responsável pelo desenho foi o monge Tenzin Thutop, um especialista nessa arte religiosa. “Preparar uma mandala é como realizar uma longa meditação. É uma forma de entender melhor nossa existência”, afirma o monge artista.
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| Tsewang Phuntso (à esquerda), representante do Dalai Lama para as Américas, participa com Tenzin Thutop do desmatelamento da mandala. |
Até bem pouco tempo, as mandalas de areia eram preparadas apenas dentro de monastérios e raros eram os olhos que poderiam se extasiar com a beleza das cores e das formas. A partir de 1984, o Dalai Lama, líder espiritual tibetano, decidiu que elas não deveriam mais ser secretas, mas servir como instrumento para preservar e divulgar a cultura tibetana. E mandalas coloridas passaram a surgir na Índia, no Nepal, nos Estados Unidos e na Europa.
A mandala que fotografei levou mais de 50 horas para ser montada. “Foi o trabalho de uma semana completa, trabalhando 8 horas por dia”, afirma Tenzin. “É a primeira vez que monto uma mandala sozinho. Normalmente, tenho um ou dois assistentes”. Tenzin Thutop viaja pelo mundo e já compôs mais de 100 peças nos Estados Unidos e na Europa, propagando a singular arte tibetana.
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| O monge Tenzin Thutop, com suas vestes tradicionais, termina um dos últimos círculos que rodeia a mandala de areia |
Tenzin nasceu perto de Dharamsala, sede do governo tibetano no exílio, na Índia. Aos 12 anos, ingressou em um monastério budista, aos 19 fez os votos de noviço e aos 27 anos, após muito estudo, ele se tornou monge. Uma de suas especialidades é a criação, grão por grão, de mandalas. Hoje, ele mora no monastério Namgyal do Dalai Lama, no estado de Nova York.
A mandala é desenhada com um pó de mármore, proveniente de pedras encontradas nos rios que descem da cordilheira do Himalaia. O pó, depois de moído, lavado e seco ao sol, é misturado com pigmentos não-tóxicos para formar as principais cores, como amarelo, verde, vermelho e azul.
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| O instrumento usado para que os grãos de areia caíam sobre a mandala é o ‘chakpu’, ou buraco de ferro. A areia escorre por um minúsculo buraco devido à vibração do contato entre os dois instrumentos. |
A mandala preparada por Tenzin foi a do Buda da Medicina. O Buda, a figura central, está rodeado por oito pétalas e sete delas representam plantas medicinais (a oitava pétala simboliza uma porta). Os dois círculos seguintes possuem 16 e 22 pétalas e estão contidos dentro de um quadrado, direcionado aos quatro pontos cardeais. “O verde ao redor do quadrado é um jardim, repleto de joias e tesouros da tradição tibetana”, afirma Tenzin.
Um dos momentos mais emocionantes do ritual tibetano é o desmantelamento da mandala, assim que ela está terminada. “Muitas pessoas ficam tristes com o fato que eu mesmo tenha que destruir a obra”, diz Tenzin. “Este é o principal ensinamento da mandala de areia: tudo na vida é impermanente, tudo faz parte do ciclo de nascimento, morte e renascimento.” Tenzin conta que, na nossa existência, tudo muda constantemente: o fraco se transforma em forte, a beleza em feiura, a pobreza em riqueza ou a saúde em doença. “Quando desmancho uma mandala e misturo todas as areias estou apenas reproduzindo a vida.
Em tempo, este ritual, parte dos ensinamentos tântricos do budismo Vajrayana, aconteceu em um pedacinho do Tibete… que se transladou ao sul do Brasil por alguns dias: o saguão da reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. O local foi palco da II Semana de Cultura e Arte Tibetana, um evento coordenado por Cerys Tramontini que congregou milhares de pessoas interessadas na dimensão espiritual do budismo tibetano, assim como na causa política da nação invadida em 1959 pelos chineses (que ainda mantêm a região com pulso de ferro). Durante o evento, participei da mesa-redonda “Tibete e Mídia”, com outros jornalistas brasileiros que conheceram o Tibete.



